Dias atrás, antes de deixar Roma para a terceira visita que faria a seu país natal – visita que termina hoje –, o Papa Bento XVI falou ao povo alemão pela televisão. Disse-lhe que o sentido de sua visita estava sintetizado no lema que nortearia seus encontros: “Onde há Deus, há futuro”. Em outras palavras: é necessário que Deus volte ao horizonte da vida de todos, já que, embora tenhamos necessidade dele, muitos o ignoram. Mesmo os que não o ignoram, por vezes se perguntam: Será que Deus existe realmente? E se existe, se ocupa realmente de nós? Podemos atingi-lo?
Há os que dizem que só acreditariam em Deus se pudessem encontrá-lo, tocá-lo e tomá-lo nas mãos como se pode fazer com qualquer objeto. “Temos que desenvolver de novo a capacidade de percepção de Deus, capacidade que existe em nós. Podemos intuir algo da grandeza de Deus na grandeza do cosmos.” Sim, “na grande racionalidade do mundo podemos intuir o espírito criador do qual esse espírito provém; na beleza da criação podemos intuir alguma coisa da beleza, da grandeza e da bondade de Deus. Na Palavra das Sagradas Escrituras podemos ouvir palavras de vida eterna, que não vêm simplesmente de homens, mas do Senhor”, afirmou Bento XVI.
Há um outro tipo de experiência de Deus que poderemos fazer: no encontro com pessoas que foram transformadas por Ele. Pensemos, por exemplo, no apóstolo Paulo ou em Francisco de Assis, em Madre Teresa de Calcutá, em Irmã Dulce ou em Irmã Lindalva. Podemos pensar igualmente em pessoas simples, desconhecidas do povo em geral e ignoradas pelos meios de comunicação social. Quando as encontramos, sentimos que delas nasce uma força que nos emociona, uma bondade que toca nosso coração, uma alegria que nos contagia. Temos certeza de que nelas Deus está presente. “Por isso, nestes dias desejamos empenhar-nos para tornar a ver Deus, para fazer com que nós mesmos sejamos pessoas através das quais entre no mundo a luz de esperança - luz que vem de Deus e que nos ajuda a viver” (Bento XVI).
Poderíamos pensar que a questão do ateísmo não seja um problema nosso, brasileiro, ao menos a ponto de nos preocupar. Ledo engano. A Fundação Getúlio Vargas apresentou, semanas atrás, um mapa das religiões aqui no Brasil, destacando que cresceu entre nós o número de ateus: atualmente, são 6,7% da população. Não é uma cifra desprezível: tendo nosso pais 190 milhões de habitantes, o número de ateus deve girar, pois, em torno de treze milhões de pessoas.
Saramago, famoso escritor português, prêmio Nobel de Literatura, falecido há pouco mais de um ano, declarava-se ateu. Dada a sua fama, era frequentemente entrevistado sobre isso. Numa dessas entrevistas, observou que “ Bento XVI jamais viu Deus e nunca se sentou para tomar um café com ele”. Se tivesse me conhecido (e haveria razão para isso?...), o mesmo ele poderia ter dito de mim. Sou cristão desde o nascimento; trabalho na Igreja desde criança e também nunca vi Deus. No entanto, alegro-me em poder servi-lo. Não que ele precise de mim; eu é que me realizo colocando minha vida a serviço do Evangelho de Seu Filho.
Um Evangelho que nada tem em comum com aquele que o próprio Saramago escreveu, no começo da década de noventa.
Identifico-me com a definição que o apóstolo e evangelista João apresentou de Deus, fruto de sua longa caminhada de fé: “Deus é amor”. Se Saramago ou qualquer pessoa me pedisse explicações sobre essa afirmação, me sentiria tentado a escrever um livro ou, então, a repetir o que Teresa de Calcutá disse a um repórter que lhe perguntou o que é rezar. Ela lhe disse: “É falar com Deus”. Quando o repórter lhe perguntou: “E o que Ele lhe diz, quando a senhora fala com Ele?” Ela lhe respondeu: “Ele não me fala; Ele me escuta. E se o senhor não for capaz de entender isso, nem eu serei capaz de lhe explicar”.
Também não saberei explicar quem é Deus. Sei, apenas, que não saberia viver sem Ele. Encontro-o na Igreja, na Bíblia, no próximo, na alegria e na dor. E, simplesmente, o amo. Sei que Ele me amou por primeiro. Como diria Santo Anselmo: “Eu creio para compreender”...
Dom Murilo S.R. Krieger
Fonte: CNBB
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